Ranking das Escolas? Os Alunos Não São Tijolos!
J.Ferreira
Hoje em dia a nobre missão de um educador é cada vez mais difícil. As fontes de aprendizagem dos jovens são cada vez mais diversificadas. Desde o livro à revista passando pela televisão, o cinema e a internet, as oportunidades de aprendizagem que são oferecidas aos alunos são de tal modo diversificadas e atraentes que se torna cada vez mais difícil a uma Escola equipada para servir no passado competir com recursos tão potentes fundados nas tecnologias do futuro.
Ao quadro negro (ou verde ) e giz branco (ou de cor que mal se realça) e voz única (do professor na sala) da "Escola Oficial", o mundo empresarial da comunicação que domina a "Escola Paralela" responde com a tecnologia digital, suportes multimédia e hipermédia, vozes e sons tratados por estúdios sofisticadamente preparados para criar estímulos constantes e impossíveis de se tornarem alheios ao interlocutor, apresentando a aprendizagem lúdica (pela televisão, consolas de jogos, e outros media) como uma forma mais aliciante de aprender.
A "Escola Social" onde os valores eram adquiridos (trabalhados, construídos...) deixa de ser uma referência pois as crianças passam o seu tempo na escola. As relações interpessoais são reduzidas à relação com o interlocutor desconhecido que lhe vai dando prémios (reforços de pontos, "vidas" dos personagens...) ou castigos (retirando pontos, energia, "vidas").
De facto, não tenhamos ilusões. Os jogos reproduzem mais fielmente o que se passa na sociedade que a Escola. Os jogos punem os que não são capazes. Simplesmente diferem porque fornecem alternativas (níveis mais baixos ou mais elevados) sem qualquer relação com o desenvolvimento normal ou natural das competências do jogador. Respeita o ritmo de investimento na aprendizagem e no desenvolvimento de competências de cada a indivíduo, poderíamos mesmo dizer, a ambição dos jogadores. Cada jogador escolhe o nível que deseja e lá vai sendo herói à sua medida... Em contrapartida, a escola define um currículo para uma determinada faixa etária e tenta que todos acompanhem os conteúdos desse programa, falando politicamente correcto, que desenvolvam as mesmas competências para que se preparem para a vida em sociedade, para competir arduamente num mercado de trabalho com ofertas de emprego cada vez mais reduzidas.
E como respondem os governantes responsáveis pela definição das políticas educativas (quanto se gasta, o que se gasta, onde se gasta, com quem se gasta...) a esta realidade? Como podem os professores em escolas equipadas para o passado, sem uma autonomia verdadeira a que a financeira não pode ficar alheia, competir com os jogos multimédia que atraem a atenção que nem ousam pestanejar?
Que fazem os governantes para eliminar, na essência, a causa dos problemas do insucesso que vai atingindo um cada vez maior número de jovens? Nada. Absolutamente nada de construtivo. De facto, nos últimos dez anos assistimos a uma incessante tentativa de encontrar soluções aparentemente miraculosas, soluções "do tipo penso rápido", que não curam a ferida, não resolvem absolutamente nada, mas que, "ocultando o ferimento" servem politicamente os intuitos de quem governa.
Entretanto, a ferida vai gangrenando e vai-se alastrando... Quem vier governar a seguir que se amanhe. E os que no futuro tomarem as rédeas do poder que se amanhem? E, quando chegam, que fazem? O mesmo. Ou pior. Numa certeza de que não se pouparão a esforços para culpabilizar terceiros, apontando o dedo aos professores e pois é necessário, como sempre e à boa maneira portuguesa, encontrar um bode expiatório para o insucesso das politicas governamentais.
Qual o jovem que prefere hoje ler a obra “As Vinhas da Ira” ou “O Nome da Rosa” com largas centenas de páginas quando pode ver o filme no cinema. Com o poder do multimédia, recorrendo à imagem, som e movimento, a possibilidade de captar e reter a informação torna-se indiscutivelmente maior. Sendo muito mais fácil e exigindo um menor esforço para reter a informação essencial, torna‑se muito mais aliciante e atraente para os jovens assistir a um filme como o recente e famoso Harry Potter do que ler a obra original escrita pela autora. Sem deixarmos de considerar como igualmente importante o conhecimento do filme, não há qualquer dúvida de que o apelo à imaginação e à criatividade de quem primeiro viu o filme e só depois lê a obra, é muito diferente de quem lê a obra e só depois assiste ao filme.
Ora, que escola pode concorrer com estas tecnologias empresariais sofisticadas, que, baseadas no lucro comercial, projectam uma publicidade de tal forma agressiva que é quase impossível resistir?
E, quantos jovens estarão hoje interessados em passar três ou quatro horas a ler um capítulo de uma obra, por mais conhecido que seja o seu autor, quando pode ficar as mesmas horas a “chatear” na internet com um desconhecido autor de verborreia (ou uma desconhecida autora de conversa do tipo “Re-béu-béu... pardais ao ninho!” mais vulgarmente conhecida como “conversa para pategos” que tão bem faz a quem quer entrar na onda do falar nada sem dizer nada, isto é, sem dizer alguma coisa de jeito que não seja enviar meia dúzia de “piropos”, trocar uns “galhardetes”, e concluir com umas tantas “bocas foleiras” dirigidas ao interlocutor (por vezes, na multidão que frequenta o “Netquiosque”, o desconhecido é o vizinho estranho que ali mesmo ao nosso lado “chateia” connosco) a quem tratam por “Pá” (“mas ó pá, tu não te catas, meu... Olha que não sou aquela que tu estás para aí a pensar que eu sou ou gostarias que eu fosse ou achas que deveria ser... E de facto, nunca imaginei sequer vir um dia a ser aquela que tu estás para aí a imaginar que eu sou!), etc...etc... É como aquele programa de televisão conhecido por “conversa da treta”... muito culta, muito interessante até porque tem em si a vantagem de ficar com uma história inédita para tema de conversa com os amigos... E só isso, pois dificilmente seria valorizada como tema de composição na escola...
A proliferação das tecnologias da informação não generalizada às escolas veio demonstrar ainda mais facilmente o anacronismo em que se encontra o ensino, em que a escola não só não acompanha como se encontra descontextualizada da sociedade e dos interesses dos jovens. É difícil motivar para a aquisição de aprendizagens, jovens que não encontram na escola recursos capazes de se sobrepor em termos de motivação, a estas aliciantes conversas "internetárias".
As atitudes e preferências culturais valorizados pela escola (o gosto pela literatura e pelos números, pela biologia ou pela química...) mantêm-se desde há longos anos. Os interesses e motivações que movem a sociedade de onde provêm os alunos que ingressam na escola mudam constantemente. Numa “selva social” a que chamam sociedade onde a concorrência e captação de emprego obedece a regras e valores com os quais a escola não se identifica, é profundamente difícil fazer um jovem acreditar que o seu futuro passa pela escola. Os valores da solidariedade, cidadania, respeito mútuo, igualdade de oportunidades, que se pretende sejam veiculados e desenvolvidos pela escola, não têm correspondência no dia-a-dia da vida em sociedade.
Porém, a frequência da chamada escola paralela, o contacto diário com todos os media que, durante mais tempo e bem mais de perto acompanha o crescimento dos jovens, contribui fortemente para a formação pessoal dos alunos, proporcionando um intercâmbio constante de experiências que contribuem para a construção de valores e para a aquisição de saberes nem sempre valorizados pela sociedade. O fosso existente entre os valores que a sociedade determina ser necessário serem desenvolvidos na escola e os que a criança vive no quotidiano social, junto de seus colegas, companheiros, amigos e até familiares, é suficiente para perceber que a escola dificilmente poderá ser o local onde o sucesso global é um objectivo atingível.
Quando criou a instituição a que hoje chamamos escola, a sociedade considerou ter encontrado a matriz do sucesso. Porém, tudo parece funcionar bem em todos os organismos... só a escola é que funciona mal! Ora, se a escola é também produtora de insucesso, a verdade é que ao criar a escola a sociedade foi extremamente bem sucedida porque encontrou o bode expiatório para os males que ela não é capaz de solucionar. Assim, se alguma coisa na sociedade não se passa da forma mais desejável, lá está a escola para ser o alvo de todos os disparos. Em todas as áreas, a todos os níveis, a escola é responsabilizada. Desde a falta de civismo nas filas à falta de civismo no trânsito, ao problema do álcool ou da droga, tudo começa na escola... como se as crianças vivessem na escola e entrassem para a escola livres de quaisquer “vícios educativos”, como se na vida em sociedade houvesse uma continuidade entre os valores que se pretendem veiculados pela escola e praticados pelos cidadãos.
Por certo ninguém duvidará que, quando se pretende encontrar um emprego não é o sucesso no currículo escolar que determinará quem está m ias em vantagem. O ingresso nas empresas, o acesso a certos cargos e funções é feita muitas vezes através da apresentação do curriculum vitae, de uma entrevista,... onde a amizade e muitas vezes o “compadrio” são a mais‑valia do candidato. Esta realidade, obscura para muitos, inexistente para uns tantos e não reconhecida por outros, apenas confirma a ideia que muitos jovens fazem da vantagem que podem ter em frequentar a escola.
Os resultados escolares dos jovens que frequentam o sistema de ensino até ao 12.º ano de escolaridade, de pouco ou nada servem. E se as classificações de pouco servem, muito menos a assiduidade dos alunos, o seu comportamento social, etc... terão algum peso na decisão da atribuição do emprego a um ou a outro jovem. É caso para se perguntar, seriamente, para que se avalia na escola? A resposta é apenas, para saber quem é que vai passar para o ano seguinte e diferenciar os alunos no acesso à universidade. Ora, se assim é, as escolas não passam de meros entrepostos de selecção de cliente para as universidades, o que é muito triste. Mas é o papel que as práticas da sociedade actual deixaram à escola, ao negligenciar a escola e os seus processos de ensino‑aprendizagem de avaliação.
E esta é uma realidade que não se prende apenas com o sistema escolar do pré-escolar ao ensino secundário: ela estende-se até ao ensino superior. De facto, se ainda se encontram empresas e empresários que recrutam os seus quadros repescando os alunos nas universidades em função dos seus resultados, podem contar-se pelos dedos de uma mão aqueles que conseguem obter um emprego mediante as informações que as empresas ou empresários procurem obter através da escola. Exclui-se, obviamente, o acesso à função pública que, na maioria das vezes, é feito por concurso onde as habilitações (mas não só!) têm um papel preponderante.
A sociedade, governada por uma classe política, independentemente da tendência partidária, não foi capaz de dar resposta a problemas educativos da mais diversa natureza. Com efeito, por oposição ao que se passa na sociedade, o investimento feito na educação está longe de ser comparável ao que a sociedade faz no mundo da informação. Os recursos da escola embora melhorando nos últimos tempos, continuam muito aquém da evolução dos recursos existentes na maioria das famílias. Assim, a escola tornou-se cada vez menos atraente, se não mesmo repelente. Negligenciando o seu papel de preparação para a vida, à escola e aos professores foi exigido que irradiassem os fenómenos importados da sociedade como a violência. Ao insucesso do equipamento das escolas associou—se rapidamente o insucesso escolar.
Além de ser “convidado” a proporcionar a todos uma “igualdade de sucesso escolar”, compete—lhe mais que gerir conflitos na sala ou nos recintos escolares, gerir as tensões sociais importadas pela escola da sociedade de onde provêm os alunos. Para estas crianças e jovens da mais diversificada origem social a escola é chamada a desempenhar mais uma vez o papel que a sociedade não foi capaz de levar a bom porto: amortecer o choque entre os diversos grupos sociais. E a sociedade espera que a escola seja capaz de fazer em meia dúzia de horas por dia, o que em imensas horas a sociedade não é capaz de fazer: esbater a tensão social e o conflito latentes. E a escola tornou-se cada vez mais num depósito de guarda de crianças e jovens.
Quem não se lembra das expressões “escola aberta” e “parcerias” utilizadas na política educativa para validar discursos defensores de uma participação comunitária na educação? No entanto, ao mesmo tempo que no discurso político se fala cada vez mais na “necessidade de abrir a escola à comunidade”, constroem‑se muros (e cada vez mais altos!) para impedir o acesso ao espaço da escola pelos membros da comunidade, colocam-se guardas nos acessos ao recinto... Em nome da segurança, protegendo as instalações e os que as frequentam da invasão da comunidade a que se diz pretender abrir a escola... Ora se a comunidade ama a sua escola, por que será necessário hoje mais do que nunca, vedar o acesso ao espaço comunitário que é a escola? De facto, o que se passa é que, apesar dos discursos políticos de abertura de participação e empenhamento da comunidade, a escola é cada vez mais um espaço de menor participação das comunidades, isolado da realidade social, afastado dos interesses dos cidadãos que nela inscrevem (obrigatoriamente) os seus filhos na expectativa de que dela retirem algum proveito. Mas, o que é indiscutível é que, face à degradação e aos atentados contra o que é um bem da comunidade, bem poderemos dizer que a escola deixou de ser um local amado e respeitado pela comunidade. Ela, tornou‑se num espaço de confronto sócio‑económico e cultural.
Acreditando que “uma mentira muitas vezes repetida se pode transformar numa verdade”, assistimos a um discurso político‑educativo que evidencia a ideia de que as escolas são tão melhores quanto melhores forem os resultados dos alunos que a frequentam, como se fosse uma verdade científica e indiscutível. Num silogismo que apenas demonstra a cegueira intelectual de que sofrem alguns políticos, assiste-se a um aproveitamento político desta ignorante dedução no sentido de passar à avaliação da qualidade do ensino ministrado, e por consequência dos professores, em função da posição ocupada pela escola no ranking. Numa sociedade altamente competitiva, em que a escola é incumbida de desempenhar a função de veicular valores de solidariedade social, de não competitividade a qualquer preço nem a qualquer custo, a mensagem política em relação à escola é contrária a estes propósitos.
A sociedade vive no dia‑a‑dia a competição em diversos níveis: económico, desportivo,... Ora, se os adeptos lidam de forma pouco ou nada civilizada com o insucesso do seu clube de futebol (por vezes, destruindo as bancadas para o que participaram economicamente com a quota de sócio ou o custo do bilhete do jogo), mas no fim se resignam quando a estrutura e recursos do seu clube se não podem comparar à do adversário, o mesmo comportamento não apresentam quanto aos resultados dos seus educandos nas escolas, delas exigindo o sucesso, independentemente das condições e recursos de cada uma delas.
Numa sociedade altamente competitiva em que no discurso político‑educativo a escola deverá proporcionar uma “igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar”, grande parte dos “clientes” das escolas ainda não encontrou as estratégias de lidar com o menor ou maior sucesso escolar dos seus educandos. Assim se compreende que aceitem e subscrevam facilmente um discurso político que esconde o fraco investimento do estado nas condições de trabalho nas escolas (onde muitas vezes nem dinheiro há para giz ou papel higiénico), e pretende alienar as suas responsabilidades face ao insucesso de muitas escolas, transferindo-o para as escolas e seus professores com um discurso que visa a aceitação social da publicação de um ranking das escolas.
Esta etapa constitui apenas um passo para validar socialmente a avaliação da qualidade profissional dos professores em função dos resultados das escolas. Assim, os professores serão tão melhores, e como tal com direito a um melhor vencimento, quanto melhor for a posição da escola onde lecciona. Ora, tal situação não entra em linha de conta nem com as condições da escola em que se desenvolve o processo de ensino‑aprendizagem, nem com o nível sócio‑económico e cultural de origem dos alunos que frequentam essa escola. Seria, em termos de futebol, como comparar os jogadores de uma equipa da Regional com uma equipa de Primeira Liga. De facto, só num processo de silogismos se pode passar a avaliar os professores pelos resultados escolares dos alunos das diferentes escolas.
A verificar-se esta segregação, assistiremos claramente a uma diminuição do nível sócio-económico e cultural de origem dos alunos que constituem o corpo discente de algumas escolas da periferia urbana já conhecidas como problemáticas. E desencadear‑se‑á uma escalada na procura de escolas de excelência, onde os filhos de alguns cidadãos, mais iguais que os outros, terão indiscutivelmente mais facilitado o acesso à inscrição. Assim, teremos a capitalocracia a invadir as escolas: um rico interessado em inscrever o seu filho numa determinada escola, tendo várias casas espalhadas pela cidade, bastar‑lhe‑á apresentar o recibo da electricidade da casa da área geográfica onde se situa a escola, para inscrever o filho na escola de "excelência". E se na área onde pretender inscrever o filho não tiver lá um apartamento, não terá grandes dificuldades em adquirir outro ali mesmo ao lado. Por oposição, a um pobre e assalariado com casa arrendada, não restará senão inscrever o seu filho na escola da área, independentemente da sua situação no ranking sendo que os recursos físicos, tecnológicos, e demais factores determinantes do sucesso em que se desenvolve o processo de ensino‑aprendizagem não serão, nem de longe nem de perto, comparáveis às da primeira linha do ranking de escolas.
O Ranking das Escolas não tem qualquer suporte pedagógico que o sustente, nem encerra em si qualquer valor de justiça comparativa quer em termos de desempenho dos alunos quer do profissionalismo dos professores. De facto, o Ranking é um dado objectivo que compara o incomparável. As condições de exercício da função docente e de aprendizagem são diferentes de escola para escola.
Desde o tipo de mesas e cadeiras às condições de climatização da sala de aula, passando pelos espaços de lazer e recreio da escola, tudo é diferente: umas têm mesas adaptadas à estatura dos alunos, outras também não!; umas têm cadeiras que permitem aos alunos apoiar os pés no chão, outras também não!; umas têm armários para guardar trabalhos dos alunos, outras também não!; umas têm painéis de parede onde afixar trabalhos realizados pelos alunos, outras também não!; umas têm projectores de transparências, vídeo e televisão para aproveitamento pedagógico dos audiovisuais, outras também não!; umas têm cantina escolar, outras também não!; umas têm aquecimento e balneários de água quente, outras também não!; umas têm espaços amplos de lazer para as crianças ocuparem o seu tempo de recreio, outras também não!; umas têm recreios cobertos para os dias de chuva, outras também não!...
Enfim, o rol de diferenças seria interminável... Ora, se a isto acrescentarmos a diferença inerente ao meio sócio‑económico e cultural onde a escola se encontra inserida, então, a igualdade de oportunidades não passa de uma mera retórica.
Se a isto acrescentarmos os diferentes equipamentos da sala de aula, sejam eles os tradicionais quadros negros ou bibliotecas, salas de música, salas de computadores, salas de educação física, etc... a desigualdade de condições de aprendizagem agrava-se manifestamente: desde salas onde a luz é manifestamente insuficiente, às salas onde a intensidade da luz não pode ser reduzida, desde quadros negros (ou verdes) em bom estado ou onde dificilmente se consegue escrever a quadros que, devido ao efeito de reflexo da luz, se torna impossível para os alunos ler uma linha que seja.
Assim, o efeito de uma criação de rankings não conduzirá, de modo algum, à efectivação do direito que todas as crianças e jovens em idade escolar têm a uma “igualdade de acesso e sucesso escolar”, plasmada na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE). E terá também um efeito contrário nos profissionais que se empenham ao verem que, avaliados elos resultados escolares dos seus alunos, o seu esforço e investimento foi em vão... Se o trabalho de dois profissionais do tijolo pode ser comparado em termos de rendimento de colocação de tijolo num muro por hora, o rendimento (produção) conseguido pelo melhor profissional da empresa ficará, indiscutivelmente, muito aquém do rendimento do profissional médio se àquele lhe entregarem os tijolos chumbados de água e lhe fornecerem a argamassa num estado líquido tal que torne impossível que duas fiadas de tijolo se segurem sem que o muro se incline e tombe, e a este último lhe entregarem não só o tijolo bem seco como uma argamassa pastosa, isto é, no ponto certo para que o muro possa ser levantado sem quaisquer riscos de cair.
A criação de um sistema de avaliação dos docentes baseado nos resultados dos alunos e das escolas deixa transparecer que uma profunda contradição. Com efeito, os políticos actuais, acérrimos defensores da personalização do ensino e da sociedade, afirmam que “os portugueses não são números” mas depressa se esquecem desta sua máxima e pretendem fazer crer que “os alunos são tijolos”. Ora, se é aceitável que dois funcionários de uma empresa a quem sejam proporcionadas matérias-primas e ferramentas de trabalho de igual qualidade sejam avaliados pelos seus resultados ou produtos, o mesmo se não passa com o ensino. Por isso, talvez tenha chegado a altura de os professores defenderem como máxima pedagógica não apenas que “os portugueses não são números” mas sobretudo que “os alunos não são tijolos!”.
De facto, contrariamente a uma empresa de construção civil, a construção de conhecimentos não poderá ser nunca colocada na linha da produtividade pois não há dois alunos iguais... Assim, numa sala de aula que conglomera alunos com proveniência em grupos sócio‑profissionais em que a cultura escolar seja desvalorizada, os índices de aproveitamento não podem ser comparados com as de uma escola onde os alunos sejam oriundos de grupos sócio-profissionais em que a cultura escolar seja valorizada. Assim, se podemos considerar correcta a avaliação da qualidade de um profissional do tijolo pelo número de tijolos colocados desde que lhe sejam proporcionadas as mesmas condições que a um outro, avaliar um professor pela comparação dos resultados obtidos com crianças tão diferentes, seria o mesmo que avaliar a qualidade do trabalho de um médico pelo índices de recuperação da saúde dos seus doentes nem a qualidade de um deputado pelo número de diplomas propostos e aprovados no parlamento...
Os professores já se foram habituando à ideia de que a escola é a culpada de todos os males da sociedade. A sociedade espera que a escola seja capaz de se tornar na “água benta” que limpa a juventude de todos os males. Por isso, aos professores são feitas cada vez mais e mais exigências. Que mais se poderia pedir?
Será que se avizinha o dia em que os professores serão culpabilizados pelo insucesso dos clubes de futebol? Parece já ter faltado mais… E, se ainda não o fizeram, foi porque têm outros bodes expiatórios (os árbitros, os treinadores e os presidentes dos clubes) para pagarem essa factura... No entanto, e, para sorte dos jogadores, há treinadores que assumem a sua responsabilidade, demitindo-se quando os resultados não são os esperados com a sua estratégia! Pena que os sucessivos Ministros (e demais responsáveis pela pasta da educação) que decidiram experimentar estratégias que levaram a Educação ao estado actual, não apresentem o mesmo nível de dignidade desses tais treinadores de futebol. Claro que é bem mais fácil fazer demagogia e, cobardemente, transformar os professores no bode expiatório dos males da Educação.
O "Estado da Educação" em Portugal é, à semelhança do anúncio que antecede o tempo de antena destinado aos partidos políticos, da exclusiva responsabilidade dos Partidos Governamentais Intervenientes nas políticas governativas. Sim, dos políticos e dos partidos que fizeram parte do Governos nos últimos dez anos e que passaram os seus mandatos a lançar sistematicamente novas ideias e novas experiências para o terreno, quantas delas copiadas de outros países sem suporte nem fundamento, fazendo dos alunos cobaias (numa escola transformada em autêntico laboratório) e dos professores cientistas forçados (porque não se podem negar a implementar as ordens superiores, muito menos quando são oriundas do Governo), para implementar medidas e soluções que na prática nada trariam de benéfico para as escolas e o sucesso dos alunos.
Nota: Texto publicado em 2003 na revista "O Docente", e republicado neste blog em 26 de Fevereiro de 2007